O presente texto tem o condão de informar e instruir a classe médica, visando a exigência de seus direitos por honorários e condições de trabalho dignas em quaisquer instituições de saúde, em especial nas clínicas populares.
As chamadas clínicas populares têm se multiplicado no mercado nos últimos anos, fato marcado pela crise financeira vivenciada pela população, a qual não pode abrir mão da saúde, uma vez que a falta de repasses financeiros para o SUS não o permite operar com 100% de eficiência.
Com a diminuição do poder aquisitivo das classes, bem como pela citada precariedade do SUS, algumas pessoas recorrem aos serviços médicos ofertados pelas clínicas populares, as quais apresentam preços de consultas diferenciados, bem como uma vasta gama de serviços médicos em um só local.
O Advento das clínicas populares não é causa principal ou exclusiva da precarização nas condições de trabalho e dos honorários médicos, já que muitas delas oferecem honorários dignos e um espaço laboral de ponta aos seus prestadores de serviços. Todavia, uma parcela dessas clínicas tem contribuído para a depreciação da verba alimentar dos médicos e, principalmente, para o aumento do stress profissional pela falta de qualidade nas condições e no ambiente de trabalho.
É evidente que com a crise financeira os valores das consultas tendem a sofrer sensíveis reajustes, porém é preocupante e até mesmo antiético o que se tem experimentado na prática quanto ao assunto.
O CFM publicou a Resolução 2.170/2017, determinando critérios para o funcionamento, perante os CRMs, das clínicas populares e clínicas médicas de atendimento ambulatorial. A Resolução é de grande valia, ficando o seu cumprimento a cargo de uma fiscalização eficiente.
O que ensejou a confecção da Resolução foi justamente o zelo para com a dignidade do exercício da medicina, em especial quanto à ética médica, pagamento de honorários compatíveis com a essencialidade dos serviços e a vedação ao exercício mercantilista da medicina, já que o Código de Ética Médica (Resolução CFM nº 1931, 24 de setembro de 2009) é determinante nestes pontos. Veja:
Artigo 51: “É vedado ao médico: Praticar concorrência desleal com outro médico”;
Artigo 58: “É vedado ao médico: O exercício mercantilista da Medicina”;
Artigo 67: “É vedado ao médico: Deixar de manter a integralidade do pagamento e permitir descontos ou retenção de honorários, salvo os previstos em lei, quando em função de direção ou de chefia”;
Artigo 72: “Capítulo VIII – REMUNERAÇÃO PROFISSIONAL – É vedado ao médico: Estabelecer vínculo de qualquer natureza com empresas que anunciam ou comercializam planos de financiamento, cartões de descontos ou consórcios para procedimentos médicos”.
O que se pretende não é uma crítica aos serviços oferecidos pelas clínicas populares, as quais, em sua maioria, oferecem serviços de alta qualidade, respeitando a dignidade do médico e contribuindo de forma ímpar para com a saúde nacional.
Todavia, também é sabido que algumas instituições não cumprem fielmente os deveres atinentes à dignidade dos profissionais que atuam em suas dependências, seja por oferecer honorários em valor ínfimo, seja por exigir tempo máximo e impostergável para cada consulta, ou então exigir bônus por maior quantidade de atendimentos em menor espaço de tempo.
Infelizmente, as instituições que praticam tais exigências acabam manchando a imagem das que estão dentro das conformidades legais, uma vez que o surgimento das clínicas populares, como já referenciado, é um fator que vem somando positivamente para a saúde da população em geral.
Em conclusão, como nem sempre as autoridades competentes conseguem fiscalizar com eficiência estas clínicas, frente ao seu grande número, essa tarefa passa a ser também daqueles que são os maiores interessados, ou seja, dos médicos.
Portanto, sempre que você, médico(a), for assinar um contrato para a prestação de seus serviços em clínicas populares ou quaisquer outras clínicas e instituições de saúde, leia atentamente este contrato, havendo a oportunidade, também, peça para que o seu advogado revise todas as cláusulas.
Existindo cláusulas duvidosas ou abusivas, é seu dever argumentar com a instituição que está lhe contratando, exigindo as mudanças contratuais necessárias, uma vez que, se a instituição estiver de boa-fé, e que a mudança contratual seja exigível, certamente a mudança será acatada.
Ademais, presenciando um abuso praticado por qualquer instituição de saúde em detrimento de médicos, pacientes e/ou funcionários da mesma, também é possível uma denúncia perante ao CRM da região. Ao fazer isso você estará colaborando para uma realidade de trabalho digna, condizente aos anos de estudo e trabalho que a classe médica brasileira deposita diariamente em prol de seus pacientes.
Mesmo após a assinatura do contrato, o médico que se achar prejudicado no exercício de sua profissão pode e deve insurgir-se contra possíveis abusos, sem medo de represálias, eis que amparado não apenas pela legislação, mas também por toda uma classe de trabalhadores que partilham dos mesmos anseios por uma melhor qualidade de trabalho.
Neste contexto, partilhando a minha opinião pessoal enquanto advogado militante no direito médico, tenho a convicção de que a exigência por melhores condições de trabalho é fator impactante para a mudança de paradigma.
Leonardo Batistella – Advogado. Especialista em Direito Médico e da Saúde. Mestrando em Bioética pela Facultad Latinoamericana de Ciências Sociales – FLACSO/ARGENTINA
Pingback: UBER DA MEDICINA | Leonardo Batistella